segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Declaração Política sobre Transferência de competências

1. A Lei da transferência de competências para as autarquias (50/2018) e a de alteração à Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (51/2018), aprovadas no final da sessão legislativa, confirmam a consagração do subfinanciamento do poder local e a transferência de encargos em áreas e domínios vários, colocando novos e sérios problemas à gestão das autarquias e, sobretudo, à resposta aos problemas das populações.

Não pode deixar de ser considerado, aliás, o conjunto de riscos associados à legislação agora em vigor que, no acto de promulgação, o Presidente da República referenciou:
- a sustentabilidade financeira concreta da transferência para as autarquias locais de atribuições até este momento da Administração Central;
- o inerente risco de essa transferência poder ser lida como mero alijar de responsabilidades do Estado;
- a preocupação com o não agravamento das desigualdades entre autarquias locais;
- a exequibilidade do aprovado sem riscos de indefinição, com incidência mediata no rigor das finanças públicas;
- o afastamento excessivo do Estado de áreas específicas em que seja essencial o seu papel, sobretudo olhando à escala exigida para o sucesso das intervenções públicas.

Por si só, o público reconhecimento destes riscos é prova bastante das insuficiências e erradas opções adoptadas na Lei.

Acresce que, em praticamente todos os domínios, apenas são transferidas para as autarquias competências de mera execução, o que as coloca numa situação semelhante à de extensões dos órgãos do Poder Central e multiplica as situações de tutela à revelia da Constituição, contribuindo para corroer a autonomia do Poder Local.

2. O carácter confuso que rodeou o processo que conduziu à lei 50/2018, a começar nas incongruências do texto da Lei, teve expressão no próprio debate e aprovação do Orçamento do Estado para 2019 no qual foram rejeitadas propostas essenciais à concretização da transferência de competências. Não deixa de ser significativo que o artigo da proposta de Lei sobre o Fundo Financeiro de Descentralização que remetia (abusiva e ilegalmente, sublinhe-se) para diplomas do Governo a afectação dos meios financeiros tenha sido eliminado. A eliminação deste artigo, traduzindo de forma clara a rejeição da Assembleia da República à pretensão do Governo de decidir dos montantes a transferir para o exercício das competências, só pode ser lido como um impedimento de facto à sua concretização em 2019. Para lá das razões mais substanciais quanto ao conteúdo e natureza do processo, este facto só por si justifica que o município rejeite responsabilidades relativamente às quais não há qualquer garantia legal de virem acompanhadas de meios financeiros. 

3. A lei 50/2018 prevê que os termos concretos da transferência em cada área resultarão de Decreto-Lei a aprovar pelo Conselho de Ministros.
Porém, estabelece que essa transferência se possa fazer de forma gradual e confere às autarquias a faculdade de optarem por adiar o exercício das novas competências por deliberação das suas assembleias, comunicando a sua opção à DGAL nos seguintes termos: 
·     Até 15 de Setembro de 2018, as autarquias que não pretendam a transferência em 2019;
·      Até 30 de Junho de 2019, as autarquias que não pretendam a transferência em 2020.
A partir de 1 de Janeiro de 2021 a Lei considera transferidas todas as competências.
Vários municípios deliberaram atempadamente nos termos previstos na Lei, aliás os únicos em vigor. As pressões então dirigidas sobre as autarquias, invocando interpretações abusivas da legislação ou dando como inútil as deliberações que a própria Lei estabelecia levou a que muitos municípios, mesmo os que afirmavam discordância com a transferência de competência se acomodaram à operação desencadeada pelo MAI, tivessem decidido não se pronunciar.

4. A apreciação geral sobre o processo, o conjunto de implicações financeiras, humanas e organizacionais, a ausência de conhecimento sobre as matérias a transferir, as condições e as suas implicações (só descortináveis com a publicação de cada um dos Decretos-Lei)deviam ter conduzido a que, responsavelmente e na defesa dos interesses quer da autarquia quer da população, se rejeitasse a assumpção a partir de 1 de Janeiro de 2019, das novas competências, conforme proposta dos eleitos da CDU defendida na reunião de Câmara realizada a 13 de Setembro de 2018 e consubstanciada na Declaração Política então apresentada.
A decisão deste município, em setembro passado, de não ter levado em linha de conta o que consagra a Lei 50/2018 (a única em vigor), clara e imperativamente, sobre o processo de transferência de competências e as condições para o seu exercício, expôs a autarquia a decisões que podiam lesar os interesses do município e das populações.
Este é o momento para, agora sem subterfúgios, recusar um processo objetivamente contrário aos interesses das populações. Os vereadores da CDU congratulam-se com a posição que a maioria PS na Câmara Municipal agora assumiu e a proposta que traz aqui hoje para apreciação (que rejeita a transferência de competências para os anos 2019 e 2020 consagradas nos diplomas legais de âmbito sectorial que foram ou venham a ser publicados no âmbito da Lei nº 50/2018, de 16 de Agosto)e irão votar favoravelmente a referida proposta, mas reclamando ainda:
·     o início de um processo sério de descentralização inseparável da consideração da criação das regiões administrativas;
·     a reposição das freguesias liquidadas contra a vontade das populações; 
·     o encetar de um processo de recuperação da capacidade financeira dos municípios e da sua plena autonomia, requisitos indispensáveis para o exercício pleno daquelas que são hoje as atribuições do poder local e as competências dos seus órgãos;
·     a identificação no domínio da transferência de novas competências, das que se adequam ao nível municipal, não comprometem direitos e funções sociais do Estado (designadamente a sua universalidade) e sejam acompanhadas dos meios financeiros adequados e não pretexto para a desresponsabilização do Estado por via de um subfinanciamento que o actual processo institucionaliza.
Castro Verde, 17 de janeiro de 2019
CDU Castro Verde